sexta-feira, 21 de novembro de 2014

"VIM PARA FICAR"



“VIM PARA FICAR”
Clerisvaldo B. Chagas, 21 de novembro de 2014
Crônica Nº 1.308

Escritor Floro e esposa Maria de Lourdes.
“Preparei-me para partir. Não tinha muita coisa para levar: algumas peças de roupa, algum dinheiro e a velha e espaçosa mala onde, mais uma vez, acomodara minha modesta biblioteca, tesouro do qual jamais me separaria. No ardor de meus 26 anos, três valores me eram inseparáveis. A coragem de tentar, a decisão de ‘vir para ficar’ e a convicção de que, um dia, atingiria o topo da montanha. Meus pais e parentes mais chegados tudo fizeram para que eu desistisse, mas uma força mais poderosa me arrastava, a correnteza era incontrolável...
Aluguei a boleia do caminhão do sr. Antônio Augusto e dirigi-me a Palmeira dos Índios, numa reedição daquela primeira viagem. Sabia que, a 15 de dezembro, um navio zarpava de Maceió com destino ao Rio de Janeiro, tocando nalgumas capitais do Nordeste.
Dinheiro pouco, minhas economias não bastavam para comprar uma passagem de primeira, nem de segunda classe. O jeito foi adquirir uma de terceira mesmo! De certa foram, foi bom, pois uma grande leva de nordestinos estava na mesma situação que eu, e terminamos por alegrar-nos e apoiar-nos moralmente uns aos outros. Contávamos piadas, cantávamos e ouvíamos a sanfona varando a noite e embalando nossa saudade. A marujada gostava e, vez por outra, juntava-se a nós, dançando e xaxando ao som alegre e ritmado.
Como a confraternização era gostosa, os demais passageiros vinham “acompanhar de longe”, e muitos acabavam por entrar na brincadeira. O comandante apreciava a alegria contagiante do pessoal. A comida não era muito boa, mas dava para alimentar o corpo.
O maior problema era a dormida, devido ao frio, cortante e intermitente. Mas não nos apertávamos: armadores não faltavam e cada um armava sua rede, todos irmanados no mesmo desconforto. Pela manhã, podíamos subir ao convés e apreciar a imensidão do mar, avistar os golfinhos em seu gracioso balé e tomar banho de sol.
Quantos sonhos, quantos projetos, quantas ilusões! Cada um de nós era um desbravador desconhecido, um guerreiro da esperança, um “Dom Quixote” a combater moinhos de vento (...)”.
MELO, Floro de Araújo. Vim para ficar”. Rio de Janeiro, Bolsoi, 1981.


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