domingo, 30 de setembro de 2012

CARNEIRO E SERRADOR


CARNEIRO E SERRADOR
Clerisvaldo B. Chagas, 1º de outubro de 2012.
Crônica Nº 875

A hoje chamada Literatura de Cordel contribuiu magnificamente para o aprendizado e o hábito da leitura no Nordeste. Aprendi muito com o mundo encantado dos poetas escreventes e repentistas. Geralmente quem escrevia cordel era o poeta repentista aposentado, o vate que não usava o repente, ou o simples apologista. O poeta nato faz tudo perfeito. O que tem apenas a veia poética, constantemente se engancha na métrica, ficando a estrofe capenga. É igual a um piso em que as peças ficam assentadas desiguais, provocando topadas. Rimas sem métrica doem nos ouvidos e irritam na leitura. Muitos não querem que a literatura tenha nome cordel e sim, cordão. Os cordões, tipos barbantes sustentavam os livretos vendidos nas bancas de feiras, mas esses folhetos também eram expostos no chão, sobre um pequeno pedaço de pano ou de lona. Ali o próprio autor vendia os seus trabalhos lendo para o povo as suas obras. Acontecia ainda a ocasião em que o vendedor era apenas um intermediário, porém, tinha veia poética, voz bonita e outros dons que convenciam à compra. Um desses folhetos que ainda faz sucesso foi publicado em 1954 por João Martins de Athayde: “Peleja de Serrador e Carneiro”. Nessa linguagem, “peleja” é uma cantoria entre dois repentistas nordestinos.
Li inúmeros folhetos e decorei muitos versos. Na peleja acima, tem uma passagem em que o poeta Serrador aproveita o nome do oponente e diz:

“O sítio de Serrador
Está pra quiser vê-lo
A estrada é larga e franca
Que passa até um camelo
Mas se um carneiro for lá
Se arrisca à onça a comê-lo”.

Ora, como pode um simples carneiro, tão manso e tão humilde sair-se de uma enrascada dessa? O mesmo João Martins de Athayde vai para a boca do seu personagem e responde:

“Serrador se você visse
Desse carneiro as marradas
Você saia correndo
Vendendo azeite às canadas
Passava de porta em porta
Avisando aos camaradas”

Relembrando essa passagem meditei sobre a situação do povo. Carneiro é apresentado como animal dócil e presa fácil. Mas quando cisma, todos têm medo da sua marrada que pode matar até mesmo um touro. As multidões enganadas pelos suas lideranças sofrem os desenganos, anos a fio, como rebanhos de ovinos conformados. Como seria diferente se tivessem a consciência da força que possuem. Na obra poética do velho mestre Athayde, brilha uma lição de bastidores na peleja entre CARNEIRO E SERRADOR. 

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