sexta-feira, 15 de julho de 2011

O PAU COMEU


O PAU COMEU
Clerisvaldo B. Chagas, 15 de julho de 2011

Vamos pesquisando... Pesquisando... Pesquisando. É certo que a frase “escritor investigando” abre muitas portas, várias até com gentileza, mas a burocracia quinhentista não deixa de existir. Dir-se-á o quê? A hora vai galopando em nosso entra e sai de repartições, cortinas vão se afastando, fazem balé às informações provocadas. O tempo abriu na capital. Mal se esconde a cauda pequena da chuva, o calor mostra os dentes amarelos e começa a inchar. No ponto de ônibus um sujeito muito branco da cabeça rapada, tira o sossego do povo, falando alto que o comércio, lá adiante, está se acabando no cacete. Diz ele que são os ambulantes revoltados fechando lojas do centro e interditando vias, desde a Ladeira do Brito as imediações da Rua das Árvores. Mas o cabeça rapada já vem angustiado pela falta de assistência da Saúde. Desata um rosário de queixas na cabeça do governo e vai rezando, vai rezando, vai rezando como se aquela platéia muda fosse pano de enxugar suas mágoas. Mistura suas dores às humilhações do ambulante “pais de família que trabalham para não roubar”. Um cabra de bigode falhado, pasta negra à mão, resolve fazer coro com o reclamante, antes solitário. Aí governo apanha duas vezes. Batem forte num dueto sem fim, expulsando todas as mazelas que cercam a governança.
Lá adiante, o negócio estava quente mesmo. É que os fiscais passaram confiscando as mercadorias dos ambulantes. A rebelião pelo desaforo, em pouco tempo correu pelo comércio, o pânico tomou conta de muitos e houve uma correria geral. Várias ruas foram de fato interditadas e, na força do grito, comadre, só ouviam o rash-rash de portas fechando com um medo da moléstia! Enquanto transeuntes embocavam nas lojas, outros pulavam para fora como abelhas sem colmeia. Viemos para pesquisar umas coisas, estamos registrando outras. Uma velha gorda passa balançando tudo, revoltada com o posicionamento da polícia e seus cassetetes, tamanho serra do Gugi: “por que não vão bater na mãe?”. Um gaiato responde correndo também: “Na mãe já bateram, minha tia”.
Fecha! Fecha! Gritava um manifestante. “Mas meu senhor, meu cachorrinho...” Tentava justificar-se um comerciante. “Fecha essa b... Seu porra! Você quer entrar na macaca, seu fio da peste!” Não vimos o miolo, mas horas depois a coisa acalmou, portas foram levantadas vagarosamente, olhares desconfiados, dedos ligeiros. “Ei rapaz, vai para Santana? Até sexta-feira as bestas estão lotadas, por causa da Festa da Juventude. Agora só de carro ou de jerico”. Respondemos com um não e fomos pesquisar em outro terreiro. Vamos sumindo pelos calçadões elegantes e pelas calçadas imundas do comércio. À porta de nova repartição, a maior banha, mas o “P” de percalço à frente: “Só amanhã das oito as doze, meu amor”. Bem, pelo menos arranjei um novo amor. Até esqueci que no comércio O PAU COMEU.

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