terça-feira, 27 de julho de 2010

VOTA EM QUEM?

VOTA EM QUEM?
(Clerisvaldo B. Chagas. 28.7.2010)
O mês de julho no Sertão de Alagoas é marcado pela festa de Senhora Sant’Ana. Padroeira do município de Santana do Ipanema, a avó materna de Jesus comanda uma ação tradicional desde o último quartel do século XVIII. Instituída pela Igreja, a data oficial dos festejos é a mesma em todos os lugares do mundo. O inconveniente do evento religioso é que o mês da novena é justamente o mais chuvoso em nossa região. Divide a última quinzena de julho com os quinze primeiros dias de agosto em matéria de frieza. Como este ano, o Divino quase sempre gratifica o dia da procissão com estio e Sol fraco.
O dia 26 de julho ─ após a barulhenta Festa da Juventude e a benfazeja novena dedicada a Ana ─ amanheceu calmo com um Sol preguiçoso e ruas desertas. Algumas delas sem um pé de pessoa, como se diz por aqui. Mas, a partir do meio-dia, parece que a cidade inteira despertou para o apogeu dos festejos.
A procissão da Excelsa padroeira Senhora Sant’Ana, representa um belíssimo espetáculo de fé que arrebanha milhares de pessoas. Charola ornamentada com esmero, a procissão percorre ruas e avenidas, mostrando mais de dois quilômetros de gente e de colorido sobre buracos, entulhos, asfalto e calçamentos. Os cânticos habituais penetram pelos ouvidos santanenses amolecendo corações. Como no mundo profano, um lugar pertíssimo de Ana é muito disputado. Era uma ambição simples que envolvia algumas pessoas de prestígio social. Ultimamente esse lugar, perto da Excelsa, virou mistura de xadrez e de luta greco-romana entre políticos.
As pessoas comuns não tem mais direito de andarem ao lado da santa e muito menos de conduzirem o seu andor. Surgem sempre políticos no “chega prá lá” aos indivíduos do povo. A batalha surda que envolve braços e ombros para afastar os demais inclui agora os quadris de nádegas avantajadas ou murchas. Antes, o povo ria com as presepadas dos políticos locais na procissão. Mas atualmente os políticos de fora botaram (de forma acima) os da terra para correr. Só se via gente se cutucando, rindo e apontando o ridículo com o queixo. Ao chegarem a casa, vários fiéis se divertiram à beça com a resenha dos candidatos nessa época de eleição. Sendo assim, o ato religioso, além de enxadristas e lutadores, ofereceu uma atração a mais: à testa do cortejo um particular humorismo digno da novela “O bem amado”.
Mesmo durante atos religiosos significativos, o aperreio pelo voto é imenso. Se pudesse, o candidato retiraria a imagem da charola e ficaria em seu lugar acenando para a multidão: “milhares e milhares de votos, só meu”. Quem estava perto do padre me contou que a disputa por metro quadrado foi renhida. Em um momento mais difícil de passagem de trecho, um político, diante da marcada concorrência, perdeu o foco. Teve que subir em uns entulhos e voltou-se azoado para a imagem de Senhora Sant’Ana. Pegou no manto da santa ─ pensando tratar-se de uma beata de vestido azul ─ e cochichou no seu ouvido: “VOTA EM QUEM?”


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