terça-feira, 8 de dezembro de 2009

AINDA OS REPENTISTAS

AINDA OS REPENTISTAS
(Clerisvaldo B. Chagas. 9.12.2009)
Para os apologistas Fábio Campos, João Oniel - poetisa Andréia, Telma Cirilo e poeta Carlindo

Não posso guardar apenas para mim as histórias de versos obras-primas dos cantadores nordestinos. Duas passagens importantes para nós apresentamos hoje. Uma com José de Almeida e outra com o poeta Granjeiro. Antes, porém, é preciso esclarecer que os repentistas tem suas regras obedecidas rigorosamente. Uma delas é o final da rima. Não cabe, por exemplo, Ceará com Alencar. Uma tem acento, a outra tem um “r”. Caso o poeta cometa esse erro, será um defeito grave. Outra coisa são as rimas pobres que não valorizam o verso a não ser que haja muita criatividade: “ão”, “ado” e “ia” estão nesse grupo. A rima sendo rara somada à criatividade pode formar a obra-prima; aquela estrofe que passa de boca em boca por gerações e pelo mundo encantado dos repentistas. Foi com a terminação “ó”, que José de Almeida foi ovacionado em Paulo Afonso há bastante tempo. Todos queriam conhecer o poeta santanense que se firmava na cantoria pegando fama. Convidado para cantar com Jó Patriota na “Capital da Energia”, José de Almeida apresentou-se primeiro com um poeta chamado Manoel de Filó (uma fera também assim como Jó Patriota). Na segunda baionada (parte), após o experimento, Almeida senta com Jó Patriota e inicia ─ para felicidade geral do mundo da viola – a seguinte obra-prima em sextilha:

“Já cantei com Manoel
Agora canto com
Um é cobra canina
Outro é cobra de cipó
Eu no mei’ me defendendo
Com um taco de mororó

Foi delirantemente aplaudido.

Pela boca do cantador desistente como eu, José de Sebastião, funcionário público da prefeitura de Santana, ouvi essa outra história. O poeta Granjeiro (não lembro o primeiro nome) cantava em determinado lugar quando pediram um mote em décima: “No coração da criança/ não tem ódio nem rancor”. Ora, baseado em que São Miguel é quem pesa os pecadores, o poeta famoso em fazer belíssimas estrofes de tema ou mote, saiu-se com esta, após o seu parceiro:

“Quando morre um pequenino
Sobe envolto num véu
Chega às portas do céu
Miguel diz para o Divino:
“Vamos pesar o menino
Que é filho de pecador”
“Jesus lhe diz não senhor
Pode guardar a balança
No coração da criança
Não tem ódio nem rancor
”.

Quando acontece uma estrofe assim, é chamada pelos poetas de “verso grande” e de “impagável”, isto é, o parceiro não fará um melhor do que aquele. E depois de vibrantes aplausos da platéia entendida, o parceiro para essa baionada em sinal de respeito à estrofe tão criativa do colega.
No bizaco trago AINDA OS REPENTISTAS.
(Obs. Na crônica de ontem, “Possante Monumento”, parágrafo segundo, leia-se cúpula e não cripta.)


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